14 janeiro 2011

Esquizofrenia



Descia do ônibus e o enxergava ao longe. Ele vestia sempre o mesmo short até o joelho, de tecido sintético e de cores que variavam entre o azul e o bolinhas minúsculas brancas no fundo roxo. O cabelo comprido, liso e seco, se juntando aos poucos com a barba quase sempre por fazer. Nos dias em que a barba estava feita, não era preciso ver a pele do rosto mais clara. O frescor de menta do creme de barbear exalava o cheiro pelo bairro todo. Aquele bairro onde descia do ônibus e o encontrava.

Iam andando o caminho até a casa, às vezes ele oferecia ajuda para segurar um material. Ouvia como a resposta sempre a recusa. Falavam sobre tudo. Sobre os acontecimentos na escola, sobre o perfume trocado ou sobre o namoro que mantinham em segredo. Entravam em conflito quando o assunto era o segredo. Não era consenso manter os beijos escondidos.

Ainda assim, mantinham. Não iam de mãos dadas, mas iam. E era só pelo gosto de ter a companhia até o portão de casa, porque afinal de contas, ele morava tão perto da escola. E no dia seguinte se reencontrariam na sala de aula. Trocariam olhares apaixonados sob o disfarce de uma amizade acabada. Mantinham o segredo.

Ao fim da aula ele se precipitava, pegava um ônibus e esperava o ônibus seguinte chegar. Com a companhia pela qual rezara. Com a conversa, os beijos e até as discussões que tanto implorava, em silêncio. Naquele dia, estava de barba feita, mas ninguém ao redor sentia seu cheiro.

11 comentários:

  1. agora tudo soa diferente depois de ter falado com você!
    beijos

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  2. Nossa... Adorei o conto!!! Um tanto triste, mas muito bom...

    Um grande Beijo... Até o próximo

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  3. Adorei o texto, desde a minha primeira visita, foi o meu preferido.

    Isso me lembrou uma coisa (é, seus textos sempre me lembram algo nada a ver). Uma propaganda do CVV (Centro de Valorização da Vida), que em todos lugares que um homem vai, vê uma pessoa, sempre a mesma pessoa e sempre igual. Aí no final aparece "quando vc não fala, a dor não vai embora".
    Nada a ver, só lembrei =)

    Beijinhos!!

    http://mmansur.blogspot.com/

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  4. Ah, queria que isso tivesse acontecido comigo ! Mas com o último parágrafo diferente (ia escrever "final diferente", mas vai que não é o fim, certo?) =D

    Xêro!

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  5. Confesso que nem uma história em segredo como essa eu já tive. Aliás, em segredo até que sim, mas só eu sabia.

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  6. Dualidades. Eu sempre acho essa situação dos beijos escondidos complicada e um retrocesso, mas ela tem lá suas vantagens. Esse "querer" que só cresce e que perdemos quando a pessoa está sempre lá, ao lado.

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  7. Fins tristes!!
    A realidade né?!
    Abraçooo!!

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  8. "Trocariam olhares apaixonados sob o disfarce de uma amizade acabada."

    só quem vive sabe.

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