26 junho 2017

Gouinage



Eu o encontrei no ônibus, entre o banco de número três e o de número cinco. Era uma época em que eu adorava andar de ônibus, justamente por causa da chance de encontrar no ônibus tipos como ele. Ele era magro, mas não exibia fome alguma nos olhos rosados que ostentava no rosto fino e ossudo. Ele todo era ossudo, pude ver por baixo do algodão preto que lhe cobria o peito com finos e curtos fios de pelo que cresciam desde que ele tinha doze anos, lá no interior de São Paulo. A cabeça longa começava num queixo sem forma, com alguma barba já crescendo, e terminava numa cabeleira comprida, mas rala. Preta. Ele me falou com a voz enrolada que queria tomar um café na minha casa. Eu nem sabia seu nome. Quando descemos, no ponto aqui perto, já tinha sol nas nossas cabeças e ele me olhava com aquele ar de inebriado que a noite passada lhe dera. Olhava-me como se eu fosse de outro planeta, pé ante pé, sorria bobo e espremia os olhos para me enxergar ou para deixar de me ver. Descemos a ladeira em silêncio. Talvez ele estivesse pensando na dificuldade que seria descer a rua de pedras depois de tanta noite na cabeça, pé ante pé. Eu pensava na falta de café aqui no armário. Pensava no contorno que a perna magra dele tinha debaixo do jeans, no caminho de pêlos que lhe subiriam até o umbigo e que causariam ali naquela região um tornado, um furacão. Pensei na pele dele despida e quase gemi vendo um trechinho branco, quando ele levantou o braço e apoiou-se na parede do corredor, cansado. A porta estava mais uma vez aberta, como sempre está aberta para quem quer tomar um café. Naquela manhã, tomamos café no meu quarto, ainda que não tenhamos comido nada.

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