30 maio 2014

Cabelo branco


Há uns anos você anda tão envelhecida. Todo mundo diz que você está linda e que parece que você brilha no escuro. Eu não vejo nada disso. O que eu vejo quando olho pro seu queixo fino e a sua boca meio murcha é o meu próprio queixo fino e a minha própria boca pelancuda. Odeio isso em você. Odeio ver um fio de cabelo branco na escova de cabelo do nosso banheiro. E quando você vira pra mim daquele jeito meigo então? Às vezes me dá vontade de matar você e eu nem sei por que. Talvez seja porque eu sei que a gente vai morrer ou só porque eu não consigo imaginar que todos aqueles nossos anos e declarações se transformaram nessa colcha velha e rasgada que a gente carrega nos nossos ombros como dois inválidos. Olhar pra você pela manhã me dá essa sensação, de que nós estamos mortos antes mesmo de estarmos. E quando você sorri é a hora em que eu culpo você por estarmos assim. Algumas vezes tenho certeza que se não tivesse me amarrado a você, não estaria sentindo tão de perto o cheiro da morte. E aí vem todo mundo dizer que você está linda e segura e brilhante. Gostaria que você brilhasse para mim de vez em quando. Ou isso ou que a catarata que cresce nos meus olhos sumisse de vez

7 comentários:

  1. eles falam sobre a decepção em uma relação, Bratz. mas relação também tem amor. pode crer que tem.

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  2. Os escritos do Antonio sempre foram amargos, não há novidade nisso. E eles são bons por isso. É uma amargura tão doce. Na verdade é que seus textos são tão doces que amargam na boca.

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  3. O doce só é doce por conta do amargo, né?!
    Um grande abraço meu amigo.

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  4. Caro Antônio,que belo texto,de alguma forma me vi nele, em algum momento da minha vida, e sinto esse gosto agridoce existencial de quando em vez, tão bem descrito por ti, nos relacionamentos...Gostei daqui, voltarei, e obrigada pela visita lá no meu bloguinho!

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  5. As vezes a gente sente exatamente isso, e depois vê que está tudo errado, que somos nós mesmos.

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