16 setembro 2010

Carta de suicídio - Parte Três


Ela, provavelmente, estava sentada na frente do computador digitando meia dúzia de palavras que possivelmente não serviriam para nada no futuro e que acabariam em um arquivo de Word na lixeira.

A condução passava onze horas para buscá-lo para a escola. Ele chorava todo dia, desde o primeiro dia. Mas em nenhum dia Lia pensou em deixá-lo em casa. Na hora do meu almoço eu costumava ir visitá-lo na escola. E, quando parecia que ele já tinha esquecido dos pais e do quanto eles faziam-lhe falta, eu aparecia e ele voltava a chorar.

A própria professora me disse para eu não aparecer com tanta freqüência, que não seria bom para adaptação dele e todo o resto do texto de psicopedagoga que professoras de primário de escolas particulares têm a pretensão de decorar e discursar.

Ela devia ter vinte e cinco anos, aquela pirralha, tal de tia Ana. E tinha uma cara de que transava cada noite com um parceiro diferente, daquelas que gostam de coisas inusitadas na cama ou em qualquer lugar onde pudesse arreganhar suas pernas. Ela não me enganava. Não com aquele discurso batido de “Não venha aqui com tanta freqüência”.

Na noite do dia que ela conversou sobre isso comigo, também sonhei com ela. Acho que ela pesa uns oitenta e cinco quilos.

Foi quando notei como eu e Lia precisávamos de ajuda. A garota era uma pirralha, abusada, gorda e feia. E me excitava mais que minha esposa, que era magra, bonita, vazia e fumante, como toda mulher que se prezasse no nosso bairro.

Eu ainda lembrava como era ser pirralho, ter vinte e cinco anos, trabalhar de dia para manter as noites, fazer faculdade e freqüentar os bares dos arredores da universidade. Há uns meses tentei ir naquele bar que eu costumava ir todas as sextas durante os sete anos que fiz faculdade. Saí do trabalho, liguei para a Lia dizendo que ia sair com uns amigos, ela acreditou porque não sabe que eu não tenho mais amigos. Quando cheguei lá, me sentei e descobri que não combinava com o ambiente. Se eu pudesse escolher, combinaria, mas eu não conseguia escolher. Eu simplesmente me destacava. As pessoas deviam pensar “aquele cara não se toca”, “coitado, sozinho”. Ou eram só palavras que a minha mente criava?

Me levantei, cheguei em casa mais cedo que previa e mais cedo ainda do que Lia esperava. Ela estranhou e eu disse que o Ricardo não estava bem do estômago e decidimos deixar a cervejinha para outro dia. Ela acreditou, mas o Ricardo não mora no Rio desde o batizado do Gabriel, ou da semana seguinte ao batizado, não sei ao certo.

Deitei na cama e dormi sem tomar banho naquela noite. Meu pé, na manhã seguinte, acordou ainda mais sujo do que normalmente amanhece. Tomei banho e quando saí, encontrei Lia na varanda, fumando.

7 comentários:

  1. É horrível quando não fazemos parte de nossa vida e descobrimos que nem da vida que já tivemos... espero que ele encontre seu lugar, e vire gay. Bjo!

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  2. Onde é o nosso lugar? sempre nos sentimos assim meio q perdidos ... o passado passou, o futuro não chega e o presente não nos satisfaz ... assim seguimos nossa jornada ... mas o mal não está na jornada mas dentro de nós ... procurar e buscar uma vida q só existe nos sonhos e desprezarmos a realidade q é tão simples e prazerosa ... mudar o foco de nosso olhar ... isto talvez ajude ... pelo menos acho assim ...

    Antônio, adoro estar aqui e viajar em seus devaneios de palavras q jorram como uma hemorragia de sentimentos ...

    Qto ao Caio, concordo com vc ... é um ícone para mim ... fala dos sentimentos sem pudores e com realidade nua e crua, tal como vc por aqui ...

    bjux

    ;-)

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  3. eu gosto da lia. ela parece uma mulher de verdade, sem toda essa frescalhadas que nos maltrata.

    e eu gosto muito do teu conto, e não vou rasgar mais seda, porque eu já deixei claro aqui, que teu blog me apetece de-más.

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  4. clementizar
    aprendi o termo no livro que estou lendo
    perfeito para cá.

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  5. vixe!um tarado e uma frígida...

    Li as três partes de uma vez. E tô curioso pra saber como termina.


    Nem vou escrever muito. Só dizer que adorei o texto. Isso dá um livro!


    Abço ^^

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  6. assim, não tenho um certo paradoxo em "carta de suícidio - parte 3"?

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