05 dezembro 2018

Atores

Atores atuam até quando não estão atuando. É involuntário. O sistema nervoso se liga ao sistema digestivo mandando pulsações neurointestinais de segunda ordem que fazem a fala sair com naturalidade. Ainda que não seja nada daquilo que o coração quer falar. Os gestos vêm espontaneamente, realismo de Stanislavski saindo pelos poros e umedecendo os pelos do corpo todo. Desse jeito fingem calor. Fingem tesão gemendo baixinho, tremendo o terço central dos corpos preparados nas aulas de preparo. Se contorcem, gritam, fazem o inferno. Tudo isso porque é o que seus corpos, da maneira mais fisiológica possível, ordena. E, quando olham com olhos semicerrados nos seus olhos e dizem que estão felizes ao seu lado, eles realmente acreditam naquilo. Até que deixam de acreditar. Quando a cortina cai eles de repente se sentem nus e percebem as técnicas que usam sem nem notar. As falas escritas por outros não saem mais com a verdade que saíam, um constrangimento cor de rosa toma conta do palco e tudo o que eles querem é fugir. Vomitar na coxia, meditar no camarim ou dar um trago em um copo de uísque para emular os grandes clássicos em preto-e-branco. Atores produzem dramas até quando não precisam. Pelo simples prazer de viver um drama real. Podem ser românticos ou cômicos, mas o que gostam mesmo é de uma tragédia. E tudo isso vem sem querer mesmo. Como vem uma vontade de fazer xixi. Eles acordam, colocam as roupas do personagem, saem por aí recitando frases de efeito e quando veem têm a plateia nas mãos. Aí ficam aterrorizados, com a sensação de que fora pouco tempo de ensaio. Fazem o que podem com emoções que têm em suas mãos e terminam a temporada. Engatam em um novo projeto antes mesmo de saírem do anterior. De segunda a quarta, se preparam. De quinta a domingo, se apresentam às nove no teatro do centro. Domingo tem duas sessões. Uma às cinco, outra às sete. Sucesso de bilheteria.

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