23 novembro 2018

Ar

Depois da sua passagem, sobrou o medo de se abrir de novo. De deixar a porta aberta, deixar a ventania entrar e me carregar por dentro por um caminho desconhecido. Era assim que você era em mim. Como um sopro que vinha de fora e dominava meu interior, como se meu corpo fosse a vela de uma navegação e você fosse a força motriz que me levava dia após dia. Agora me sinto vazio. Sem ar. Sem essa força dentro de mim. Sem essa ventania que me levava. Agora parece que vou ficar para sempre parado, no mesmo lugar. Mesmo que eu não espere por nada, não consigo me mover. Em parte porque me falta justamente o efeito que você tinha em mim, de me levar sem nem perceber. Em parte por medo do que outra ventania pode causar. Em parte ainda porque parece que o tempo não vai ajudar, que não vai dar vento por um bom tempo. E isso é só depois de um dia com o ar parado. Aquela sensação angustiante, um calor incômodo, um cheiro ruim. Esse cheiro ruim vem de dentro de mim também. Que já estou podre e cansado. Adormecido sem esse vento que batia no meu rosto e me despertava. Semimorto, como dizem hoje em dia. E a culpa não é sua. Eu sei que não. Às vezes o vento não bate. Ou às vezes a gente força um vento, carrega a pessoa pra perceber logo logo que carregou a pessoa errada. Eu sei que eu sou a pessoa errada. Mas esse vento parecia tão certo. Tanto que parece impossível experimentar outro.

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