04 outubro 2017

Gato



Você me olha desconfiado, se esgueira pela casa sempre que eu chego. Se eu entro em um cômodo você corre para o outro. Às vezes eu nem te vejo. Outras vejo só sua sombra rápida, atlética, noturna. Eu vivo a minha vida sendo observada por você, eu tenho certeza. Mesmo que você não tolere a minha presença, mesmo que você sempre se afaste, eu sei que em algum lugar você está me olhando. Eu posso sentir seus olhos desconfiados. E eu respeito a sua decisão de não se render a mim e ao meu amor. Enquanto isso sigo enchendo você de comida, de água, de leite e espalho brinquedos de plástico pela casa. Enquanto eu transito de um lado a outro, eles continuam por lá, exatamente onde sempre estiveram. Então eu vou dormir e quando acordo a luz do novo dia já mostra a casa redesenhada. Você deixou a sua marca, mudou tudo de lugar, mesmo que delicadamente. É só o que eu preciso para saber que você ainda está aqui. Que você ainda não desistiu da gente, só está escondido atrás de uma almofada ou de um vaso de planta. Eu me arrumo pra sair pro trabalho sentindo os seus olhos me seguindo. Em algum lugar eu sei que você está, mas já passamos por isso tantas vezes, sei que não vale a pena te procurar. É seu jeitão de me amar, assim distante, invisível. Afinal, se você não me amasse, já teria pulado pela janela da cozinha. Ninguém fica tanto tempo apenas por comida.

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