20 setembro 2017

Meninas


Quando éramos meninas, você tinha mania de escovar os meus cabelos e de cheirá-los com paixão. Hoje eu sei que era de paixão o seu olhar que eu via refletido no espelho do quarto antigo da minha avó. E você então fechava os olhos, como quem se esforça para gravar na memória aquele cheiro, mesmo que no dia seguinte você me tivesse ali, a sua disposição. Quando éramos meninas brincávamos de ser casadas, mesmo que na época nada tivesse realmente um significado. Era só nossa vontade de ser menos menina, de crescer. Encenávamos brigas e reconciliações para evitar um divórcio desastroso como o dos seus pais. Quando éramos meninas acreditávamos no amor, apesar de não acharmos que o amor tinha tudo a ver com os beijos escondidos debaixo do lençol que dávamos quando dormíamos na mesma cama. Quando éramos meninas, os verões eram menos quentes e mais agitados. Corríamos. Ainda posso ver seu cabelo ondulando o vento, deformando o ar. Tomávamos banho de cachoeira e trocávamos carinho. Quando éramos meninas, nossos dedos eram menores, no entanto mais sujos. Sempre manchados da terra de um terreno no qual construíamos as casas dos nossos sonhos, nas quais só cabiam nossos bonecos de revista. Eram menores, no entanto menos sensíveis. Nos feríamos com unhas mal cortadas e nos infectávamos com unhas ruídas. Quando éramos meninas, ninguém era mais bonita que você, na minha opinião. Gosto de imaginar que eu era a pessoa mais bonita para você. Era o que diziam os seus olhos enquanto você escovava os meus cabelos. Eu passaria horas só a te olhar até cairmos na gargalhada e rolarmos de rir. Quando éramos meninas, sentia que você me amava e nunca mais senti isso de ninguém. Eu te amava também, sem nem saber o quanto eu podia amar alguém.

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