12 setembro 2010

Carta de suicídio - Parte Um


Meus pés sempre amanhecem sujos como se eu tivesse passado a madrugada inteira vagando pelos cantos mais enlameados da cidade, procurando pelos sonhos que eu hei de sonhar por aquelas horas. Nunca soube explicar. Também nunca tentei de verdade. Eles estavam mais uma vez sujos, meio empoeirados, numa cor marrom quase negra.

Levantei e fui ao banheiro, como de costume. Escovei meus dentes, não sem antes notar as rugas que despontavam nos cantos dos meus olhos, os dois. Estiquei-os um pouco e só então toquei na bendita escova de dentes. Longos três minutos escovando-os.

Saí do banheiro depois do banho, sem demora, era segunda-feira, e encontrei a cama vazia. Lia já estava na varanda, fumando seu típico cigarro matutino escondido.

Ela pensa que não sei que ela fuma toda manhã enquanto vou tomar meu banho. Eu deixo que ela continue pensando. Acho que faz bem para a relação esse sentimento de que nem tudo é dividido com o parceiro. Acho que ajuda na nossa vida, ela saber que tem segredos para mim.

O que mais precisamos é de ajuda.

Ela continua a mesma, mesmo depois do nascimento do bebê. Não engordou nem um grama sequer, nem deixou a cor do cabelo trocar. Vive procurando na internet a tonalidade exata daquela que ela usou na sua formatura e que hoje em dia não é mais fabricada por aquela marca.

Continua usando camisola de algodão, ainda que eu tenha dito na nossa lua-de-mel que não era minha preferida. Que eu gostava de seda. Eu ainda gosto, me excita. Mas ela nunca usa. O que precisamos é também de um pouco de excitação.

Ontem sonhei com a vizinha do andar debaixo, que tem um marido grande e peludo. Sonhei que encontrava-a no corredor do andar de baixo por ter desistido de esperar o elevador, depois de cinco minutos de espera. Ela me levou para dentro de seu apartamento com a desculpa de precisar de alguém que fosse capaz de trocar a lâmpada do abajur do filho dela de cinco anos. Uma pessoa com fobia de eletricidade. Ela vestia uma toalha verde-água. Só uma toalha verde-água.

Transamos loucamente, na cama de seu filho que tinha um edredom do Hot Wheels. Sem abajur nenhum. Nem lembro de ter efetivamente trocado a lâmpada do abajur. Ela gozou enquanto eu a chupava. Ela estava completamente depilada.

8 comentários:

  1. às vezes alguns sonhos são melhores que a realidade

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  2. suas narrativas sempre se configuram com um primor ímpar ...

    os nossos sonhos na verdade, muitas vezes exprimem nossos sentimentos e desejos mais escondidos, q nunca temos coragem de encará-los ...

    ontem assisti na tv a reprise de um episódio de A Comédia da Vida Privada q me bateu consonante com esta sua narrativa ...

    muito bom mesmo

    bjux

    ;-)

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  3. Deixa o marido peludo comigo!! :-)

    Adorando a narrativa! Vai ter mais?

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  4. "Ela gozou enquanto eu a chupava." - argh! Minha espinha arrepiou

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  5. pois então querido ... eu acredito ainda ... acredito pq existem pessoas como vc q se constroem e se reconstroem a cada instante da vida ... e é assim ... mudando o EU nosso estaremos contribuindo para mudar o mundo ...

    bjux

    ;-)

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  6. Nossa, que vida triste, é o suicídio da relação? Acho que não, essa já morreu né... Quero ver o final! BJo!

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