28 fevereiro 2010

Caderno de anotação

Outubro de 2008,

Você fez tudo errado. Foi o que eu pensei hoje ao encontrá-lo. Não senti vontade de ir falar com ele, mas de abraçá-lo. Um abraço forte que não troco há anos, quando ficou estabelecido que nosso cumprimento habitual não passaria de apertar de mãos. Um cumprimento rápido, daqueles que você nem sente a pele do outro.

E tudo o que eu queria era um abraço. Dos que trocávamos em dias de chuva, quando eu ainda usava náilon azul real. Daqueles abraços que vinham antes de beijos molhados. Horas secando a bochecha e sentindo nojo. O cheiro da saliva. Como pode algo que era tão repugnante fazer tanta falta hoje?

Mas a culpa foi toda sua. Você fez tudo errado. Ainda que fôssemos um lar desestruturado, ainda que nunca tenhamos trocado amores verbais, ainda assim o amor existia. Hoje o que existe é mais um lamento, por não haver mais amor algum.

E a culpa foi sua. Você não devia ter me abandonado. Não quando o que eu mais precisava era você. Não para me trocar por uma mulher. Isso não se faz. Talvez as coisas melhorariam naquele momento. Talvez fosse a hora certa de eu crescer e você me negou essa oportunidade. Negou-me também a chance de te ter por perto quando as coisas poderiam ser mais do que beijos molhados rejeitados por um menino de menos de dez anos de idade.

Sei que passamos por coisas ruins. E parte delas talvez seja culpa minha. Disso eu sei. Mas eu era uma criança e quando eu estava crescendo, quando eu começaria a entender você como hoje entendo a minha mãe, justamente naquele momento você fugiu de mim.

Talvez fosse seu medo por eu descobrir sobre você, a idéia de eu entendê-lo talvez tenha assustado você de alguma maneira. Uma maneira tão arrebatadora que você sumiu. Mesmo quando sabia que eu procurava.

Na verdade acho que nunca precisei de você de verdade, você não poderia me ajudar nos problemas mais sérios que passei nessa fase. Nem nos problemas que passo hoje em dia. Não enquanto você ainda vive cheio dos seus problemas. Não enquanto você obrigar a todos a sofrerem um pouco que seja dos seus problemas.

Mas você poderia ter tornado essa minha fase, já turbulenta, um pouco mais tranqüila. Podia ter me poupado a história mais triste da minha vida, quando ela já era bem triste. E hoje o que nós temos é isso.Eu te vejo a distância. Depois de anos de distância. Eu não falo com você, nem tenho o que falar. Tudo já foi dito e o que não foi é compreensível sem o auxílio de palavra alguma. Você me vê em retorno. Mas também não tem coragem de gritar meu nome. Porque sabe que eu vou fingir não ter ouvido, enquanto vou estar sofrendo um pouco a minha história lastimável.

Você fica me vendo ir embora. Distanciar-me de novo quando na verdade nunca houve uma reaproximação. E se sente orgulhoso, por eu ter me tornado o que me tornei. Mais, muito mais do que você poderia imaginar em seus sonhos. Sonhos esses que foi minha única herança. Pensando só o quanto é ruim não poder agora participar disso, por mais que você queira.

Eu vou embora. Viro para trás, lhe lanço um último olhar só para você ter certeza de que foi visto fico pensando as milhões de coisas sobre mim que você está pensando. Milhões porque são muitas atrasadas, deixadas de ser pensadas há muito. E de repente surgem. Todas de uma vez só.

*Ouvindo: I'm Ok - Christina Aguilera

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