26 fevereiro 2010

Aham, Cláudia, senta lá

Ele não recusava um convite para ir ao restaurante japonês e comia temaki cheio de desenvoltura, até virava os olhinhos só em ouvir falar da truta da Patagônia do Koni Store. Mas virar olhinhos nem sempre é uma atitude muito gay.

Ele não sabia nada sobre futebol, nem se importava que seu time estava na segunda divisão. Ele só dizia que torcia para aquele time porque seu avô o obrigara. É time de tradição, meu filho, neto meu não nega nossas raízes lusitanas. Ele nem sabia o que era segunda divisão.

Nunca soltou pipa com os meninos e sempre foi viciado em mangá. Principalmente aqueles que falavam de meninas com olhos estranhos, cabelos que variavam do lilás ao rosa-chá. Ele sabia a diferença entre lilás e rosa-chá.

Fingia que não sabia nada sobre blusa frente-única. Mas uma coisa era verdade, ele odiava Lil’ Wayne e funk. Uma festa que não tocasse Beyoncé ou Lady GaGa era uma festa perdida. Ele sabia as coreografias da Beyoncé, mas não gravava nada em vídeo caseiro para colocar no YouTube, afinal de contas, isso seria muito gay.

Ele era apaixonado por uma amiga nossa. Ela tinha namorado. Mas o namorado dela não curtia comida japonesa, não curtia Rihanna nem nunca lera um gibi (ou qualquer outro objeto que contenha letras). Por algum motivo, isso o tornava mais interessante.

Certa noite, ele foi visto numa boate gay. Blusa listrada, calça jeans e uns bons passinhos de musical da Broadway na memória. Bebia cerveja em copo descartável com o objetivo de ficar doido o suficiente para tirar a camisa e subir no queijo. Ele não malhava.

Exibia as axilas cheias de pelos. Mais uma herança do avô. Era o orgulho da avó, talvez por isso. Todo mundo quer um neto que tenha a axila cabeluda. Quanto mais pelos, mais responsabilidade, mais cedo ele se casaria com uma menina bonita e educada, de boa família, para irem juntos curtir uma comédia romântica depois de comer uma porção de sashimi de peixe branco.

Ele não usava a expressão curtir, nem qualquer outra gíria. Era antenado nos vídeos do momento e guardava as melhores frases para usar no seu dia-dia. Mas quando questionado se também era gay, negava.

Todo mundo percebia que ele era heterossexual. Não há gay que saiba dançar Single Ladies. Não há gay que sincronize os movimentos da mão e do pescoço tão bem quanto ele. Isso é puro preconceito. E isso não admitimos por aqui.


Mas naquela noite ele bebera muito. Nem sempre se consegue dosar direito o quanto de vodka com Red Bull devemos ingerir. E em determinado momento ele estava com algo pendurado no pescoço. E não eram os versos de uma canção da Gretchen. Não.

Aquilo tinha pés que calçavam entre 40 e 42 e aposto todos os episódios de Will And Grace que também tinha as axilas peludas. Sobravam traços da cultura ibérica naquele nariz.

Fiz meu papel e avisei. Não queria que ele passasse por gay. Às vezes a gente não sabe o que está pendurado no nosso pescoço. A gente pode nem sentir. Ainda mais se a gente estiver preocupado com os pelos nas axilas. E isso preocupa, cá entre nós.

Tem gente que queria comer ele só porque ele era hetero. Particularmente? Acho isso um absurdo.

8 comentários:

  1. muito bom, estou adorando o blog!

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  2. Isso tá uma loucura! Sou sua fã número 1... Deve ser bom qd vc lê os contos cegamente, mas qd vc sabe do que se trata, sua mãe pergunta "Do que vc está rindo tanto?".

    ADOREI!!!

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  3. Isso tá uma loucura! Sou sua fã número 1... Deve ser bom qd vc lê os contos cegamente, mas qd vc sabe do que se trata, sua mãe pergunta "Do que vc está rindo tanto?".

    ADOREI!!!

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  4. Sem mais comentários!
    AHHAHAHAHAHAHAHAHHA

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  5. Adorei!

    Muito mais legal quando vc sabe de quem se trata. Muito bom!

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  6. To começando a achar que este texto tem mais de um dono!

    To boba!

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  7. Também não gosto de chopadas28 de fevereiro de 2010 às 15:38

    tem algo no canto da sua boca...
    Ah! é veneno escorrendo.


    Isadora Pereira

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