01 agosto 2017

Do armário



O armário é real. E são muitos. Um dentro do outro, como uma matrioska. O armário é infinito. A primeira porta que minha cara bateu foi aquela que meus pais implantaram sem nem perceberem, dizendo que menino faz isso e menina faz aquilo. Mas eu era só um menino querendo fazer coisas de todos os tipos. A segunda foi quando eu me apaixonei pela primeira vez e mal sabia ler e escrever. Escrevi que amava e fui pego no flagra. Aquilo não estava certo. Depois veio a porta da vergonha, do constrangimento, da humilhação. Por causa do meu tom de voz, da maneira com que eu me sentava ou que eu mexia meus braços. Descobri que eu tinha de ser mais rígido comigo mesmo do que eu vinha sendo. Literalmente. Não bastava me negar meus amores inocentes, nem minha vontade de me expressar. Eu precisava agir de um modo diferente do que eu agia espontaneamente. Nessa porta eu fiquei preso por anos, falando baixo, sussurrando para as vidas transparentes que me rodeavam. Sobras de vida. Sombras. Encontros escuros, decepções, mentiras e então quebrei a porta de fora antes quebrar a porta de dentro. Essa porta eu só quebrei com a minha cara transfigurada, inchada. Sangrando. E quando achei que veria a luz do dia, o que vejo é mais uma porta. Veio a porta dos meus amigos que só estava encostada. A porta da minha mãe, que eu abri com um giro leve na maçaneta. A porta do trabalho, que tive de destrancar. Tudo com elegância, sem fazer força. Mas aí vem a porta do medo, da notícia que diz que matam meninos, que os espancam, da estatística, dos absurdos das redes sociais, dos comentários dos portais. Estou preso na minha própria porta agora, tentando achar uma maneira de abrir e de entender quem sou. Vai saber o que tem lá fora? Provável que sejam outras portas. Vai saber a dificuldade de passar por essas novas portas? Futuras. Não sei. Mas a curiosidade e a necessidade de viver, de respirar, me dão ânimo para não fraquejar. Eu não preciso de mais portas. Mas preciso sempre ultrapassá-las.

Um comentário:

  1. Eu tô em choque. Ler seus textos me dá uma nostalgia incrível. Vc continua tendo essa capacidade de dizer por nós aquilo que não conseguimos dizer. A propósito, obrigado por voltar! ��

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