06 maio 2010

Lá em cima


Deu um frio na barriga nas vésperas da operação. Ela deitou pra dormir naquela noite, sabendo que no dia seguinte sua vida seria bem menor. Veria tudo três centímetros mais perto do seu rosto e isso incluía os olhos do seu namorado. Rolando na cama, não se aguentando com a ansiedade, imaginava como seria o mundo na manhã seguinte, sem pensar nas semanas que passaria no hospital se recuperando da operação. Foram longos anos de espera e longas horas de discussão pra convencer as pessoas da importância daquilo. Mas de longo não queria mais falar nada. Longo agora só os cabelos e o salto do sapato, ainda que não contasse com os anos que passaria obrigada a usar aquela pantufa fofa da Betty Boop. Sim, anos, até na hora de tomar Martini com azeitona no balcão daquele famoso bar. Gostava de imaginar, que não alcançaria o balcão e que suas pernas ficariam girando no ar, sentada no banco. Seria até mais fácil trocar de namorado, aumentariam as oportunidades de emprego. Ninguém se intimidaria com o tamanho dela. Seu sonho de ver os pelos das axilas dos marmanjos suados no metrô seria enfim realizado na primeira segunda-feira que pudesse pegar metrô em pé. É impossível sentar no metrô. Mas quando sentasse, teria que tomar cuidado pra não encostar os pés nos joelhos de ninguém. Eles não alcançariam o chão. Fechou os olhos e vislumbrou-se no dia seguinte – realizada. Na mão direita segurava aqueles benditos três centímetros, sem saber se eram os joelhos ou qualquer outra parte do seu corpo agora humano. É assim que se deixa de ser azul.

2 comentários:

  1. Ela aprende a usar shortinho sem dizer que sobram pernas....

    GRANDE pequena amiga!

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  2. Deus não deu asas, nem pernas longas às cobras17 de maio de 2010 às 23:51

    eu já sou cara-de-pau
    mandando na lata umas cantadas com 1,63m
    imagina se eu fosse mais alta!

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